sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Por que não há indignados no Brasil?

A pergunta acima não foi feita por políticos de oposição ou lideranças de movimento sociais, também não saiu da boca de grevistas, tampouco veio de representante de minorias tupiniquins. O questionamento, direto e bem fundamentado, foi título de um artigo escrito pelo jornalista Juan Arias e publicado no jornal espanhol El País, na edição do último dia 7 de julho. Ao longo de aproximadamente 50 linhas e outras cinco perguntas, o texto do correspondente no Brasil do periódico de maior circulação na Espanha toca na ferida exposta desse país continental e cheio de riquezas naturais muito exploradas e pouco distribuídas: a corrupção na esfera federal.
Apontando uma herança maldita deixada por Lula a Dilma – chamada por Arias de “ex-guerrilheira” -, o texto aponta o dedo no nariz do brasileiro inerte, em frente à TV, a rir e chorar diante de reality shows e novelas, acomodado no blá-blá-blá de lamúrias pelas esquinas e que ignora o que o jornalista espanhol chama de fenômeno existente em todo o mundo: o “movimento dos indignados”. “Os brasileiros não sabem reagir diante da hipocrisia e da falta de ética de muitos de seus governantes? Não importa que os políticos no Governo Federal, no Congresso, estados e municípios sejam descarados sabotadores do dinheiro público? É o que se perguntam os poucos analistas e blogueiros políticos”, escreve Juan Arias.
Mas a análise e as inquietações de um espanhol que vive e trabalha no Brasil vão além da esfera politiqueira e toca na fragilidade travestida de força social do País do samba e futebol. E ser desnudado por um estrangeiro assim, tão acertadamente, incomoda: “Até mesmo os jovens, trabalhadores ou estudantes têm apresentado, até agora, reação mínima diante da corrupção de seus governantes”. E reflete, calando de vez nossa demagogia popular: “Os brasileiros, após a ditadura militar, foram às ruas por causa das ‘Diretas Já’ para exigir o retorno às urnas, símbolo da democracia. Assim também o fizeram para forçar o presidente Collor a deixar o cargo diante das acusações de corrupção contra ele. Mas hoje o País está mudo diante da corrupção em curso. As únicas causas capazes de levar às ruas dois milhões de pessoas são os homossexuais, os seguidores de igrejas evangélicas na festa de Jesus e aqueles que pedem a liberalização da maconha.”
Diversidade, religiosidade, liberdade. São as nossas marchas, agora. Nossas bandeiras? Os motivos que nos tiram de casa para fazer show nas ruas? Enquanto isso, nos falta dignidade para ocupar as avenidas, os espaços, as redes sociais e bradar contra a corrupção, a impunidade, dentro e fora da espera politiqueira-partidária imperativa no Brasil. E olhem que, quando escreveu ser artigo, Juan Arias sequer imaginava que assistiríamos de camarote, em tempo real, um dos episódios mais absurdos dos últimos meses: a absolvição de cassação da agora deputada federal Jaqueline Roriz – filha do ex-governador Joaquim Roriz (DF) -, que foi flagrada recebendo dinheiro do relator do mensalão do DEM, Durval Barbosa, em 2006. A argumentação foi de que, como à época ela “não era deputada nem funcionária pública”, não podia ser extirpada da Câmara. Ela foi liberada pelos páreas deputados com folga. A pergunta martela: Por que não há indignados no Brasil?
Longe do total pessimismo, percebe-se alguma movimentação contracorrente. Esta semana, milhares de servidores de instituições de ensino federais saíram às ruas reivindicando melhor qualidade na sistema educacional brasileiro. Ontem, parte desse contingente ainda miúdo, mas representativo, foi às ruas. Enquanto pediam “educação de qualidade” aos pedestres e motoristas que passavam pela mobilização, ouviam alguns xingamentos, gestos grosseiros, irritação e olhares de veredito – “baderneiros”. É isso. Talvez os indignados brasileiros sejam vistos por seus conterrâneos nacionalistas como arruaceiros. Bonito, mesmo, parece vestir terno, ocupar bancadas, usar pronomes de tratamento adequados para a ocasião e cumprir o mise-em-scène do descaramento. Nos maltrata menos, em termos de massa popular, saber que a sujeira é jogada para baixo dos carpetes das chamadas “casas do povo” do que encarar alguém sem tantos poderes ou posses, sem cargos políticos e nas mãos e voz muita força de vontade para nos convidar a lutar, refletir, se indignar.
Na balança da sensibilidade crítica e do amadurecimento social, nós, brasileiros, estamos longe de ver o respeito e a dignidade mais pesados que o descaramento, a corrupção e a ganância. Veremos se homossexuais, religiosos e defensores da maconha brasileiros, unidos em multidões, respondem à pergunta publicada no El País.
[Texto publicado na coluna #CotidianaMente, do Jornal A União, edição de 1º de agosto de 2011]

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