Na mesma semana em que os servidores de seis Ministérios entraram em greve, reivindicando reajuste salarial, o Conselho Nacional deJustiça (CNJ) anunciou que editará nos próximos dias um enunciado administrativo regulamentando o desconto dos vencimentos dos serventuários judiciais que não comparecerem ao trabalho por motivo de protesto. O enunciado esteve para ser aprovado na sessão da última terça-feira, mas a discussão foi suspensa por conta de uma divergência com relação à redação do texto.
Do ponto de vista técnico-jurídico, o enunciado do CNJ tem validade apenas no âmbito do Poder Judiciário. Em termos políticos, no entanto, ele sinaliza a disposição da cúpula da instituição de evitar a paralisação de atividades essenciais num ano eleitoral. Em alguns setores, como no caso do Ministério da Saúde, a adesão à greve foi de 100%, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal. No caso do Ministério da Educação, a suspensão do trabalho pode comprometer o cronograma do Sistema de Seleção Unificada das universidades federais, cujos professores já se encontram com os braços cruzados há mais de um mês.
A greve do funcionalismo atingiu até o Ministério das Relações Exteriores, levando à paralisação do trabalho mais de 70 postos consulares. Foi a primeira vez que os oficiais e assistentes de chancelaria cruzaram os braços desde a criação do Itamaraty. Os oficiais, que recebem R$ 6,3 mil por mês, querem ganhar R$ 12,9 mil - o equivalente aos vencimentos de um diplomata em início de carreira.
Para evitar abusos no âmbito do Judiciário e garantir o funcionamento do Estado de Direito, pois o acesso aos tribunais é um direito fundamental assegurado pela Constituição, o CNJ decidiu que as diferentes instâncias e braços especializados daJustiça deverão descontar do salário ou exigir compensação dos dias parados, sem que sejam discutidos os motivos pelos quais os serventuários judiciais se declaram em greve. Segundo o texto originariamente proposto pelo relator, conselheiro Gilberto Valente Martins, a paralisação das atividades judiciais, por motivo de greve, "implica a suspensão da relação jurídica de trabalho e, consequentemente, possibilidade de desconto de remuneração correspondente".
Contudo, apesar de a redação contar com o voto favorável da maioria dos demais integrantes do CNJ, o conselheiro Jorge Hélio alegou que o texto proposto não permitia aos dirigentes dos tribunais distinguir a greve "justa" da greve política. "Privilegiar a suspensão jurídica do vínculo de trabalho em moldes europeus, que não são os moldes entre nós adotados, muito menos praticados, em detrimento do exercício do direito de greve, fere um direito garantido constitucionalmente", disse ele. Segundo ele, o desconto automático dos dias parados penaliza "não apenas o servidor, mas a sua família".
Depois de longo debate, coordenado pelo ministro Joaquim Barbosa, do STF, os conselheiros decidiram que a redação do enunciado será refeita, mas continuará prevendo expressamente desconto salarial ou reposição dos dias não trabalhados, independentemente de a greve ser considerada "justa" ou "ilegal". E também acertaram que a nova redação será submetida à votação na próxima sessão plenária do CNJ.
O direito de greve foi concedido ao funcionalismo público pela Constituição de 88, que condicionou seu exercício à aprovação de uma lei regulamentar. Mas até hoje não foi votada uma lei, por causa da pressão dos sindicatos dos servidores públicos, o que tem permitido abusos. No ano passado, por exemplo, os serventuários do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8.ª Região (Pará e Amapá) ficaram 46 dias em greve. A Corte determinou o desconto dos dias não trabalhados, mas os serventuários recorreram ao CNJ. O órgão não apenas endossou a punição aplicada aos grevistas pelo presidente do TRT, sob a justificativa de que eles não podiam converter a população em refém de reivindicações descabidas, como também se comprometeu a baixar o enunciado que será votado na próxima sessão plenária.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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